Maria Elizabeth Bianconcini de Almeida
Prática pedagógica e formação de professores com projetos: articulação entre conhecimentos, tecnologias e mídias
Para compreender as contribuições ao ensino e à aprendizagem propiciadas pela prática pedagógica com projetos, com o uso de tecnologias, é importante considerar três aspectos fundamentais.
Um deles se refere à explicitação daquilo que se deseja atingir com o projeto e às ações que se pretende realizar – o registro de intenções, processos em realização e produções. Outro aspecto diz respeito à integração das tecnologias e mídias, explorando suas características constitutivas, de modo a incorporá-las ao desenvolvimento de ações para agregar efetivos avanços. O terceiro aspecto trata dos conceitos relacionados com distintas áreas de conhecimento, que são mobilizados no projeto para produzir novos conhecimentos relacionados com a problemática em estudo. Este texto pretende explorar esses três aspectos, explicitando a importância da formação do professor para que ele tenha condições de desenvolver práticas pedagógicas com projetos que favoreçam a recontextualização do conhecimento na escola e na vida do aluno, a produção colaborativa de representações que engajam os alunos como aprendizes, construtores de significados. Para enfatizar essas idéias são comentados alguns exemplos de práticas de sala de aula em que tecnologias foram articuladas a projetos para propiciar aos alunos a aprendizagem significativa, por meio do desenvolvimento de produções com o uso de diferentes mídias.
Mas, afinal, o que é projeto?
A idéia de projeto faz parte da essência do ser humano consciente de sua condição de incompletude, em busca incessante de transformar-se para atingir algo desejável e encontrar respostas às suas questões.
Vários pensadores se dedicaram a aprofundar o conceito de projeto como característica inerente ao ser humano, que o distingue dos demais seres vivos. Heidegger (1999) coloca o homem em inter-relação com o mundo no qual ele projeta suas próprias possibilidades, e ao mesmo tempo, participa de sua produção.
Na mesma direção de Heidegger, Sartre (apud Cobra, 2001) acentua a liberdade do homem para construir a própria essência através de suas opções, cuja intencionalidade leva à produção de projetos. O homem não é concebido a priori ; ele é livre para escolher conscientemente seus objetivos, valores, atitudes e projetos de vida, mas essa escolha transcende o indivíduo e engloba toda a humanidade, adquirindo valor universal. Boutinet (apud Thurler, 2001, p. 118), acrescenta que a idéia de projeto é inseparável da visão e do sentido da ação e “supõe que ninguém aja sem projeto e ninguém deixa de ter projeto”.
O homem se constitui em sua humanidade à medida que desenvolve sua capacidade de fazer escolhas e lançar-se ao mundo, transformando-se e transformando-o, em busca de desenvolver projetos para atingir metas e satisfazer desejos pessoais e coletivos a partir de valores históricos, culturalmente situados e socialmente acordados (Machado, 2000, p. 2).
Projeto é uma construção própria do ser humano, que se concretiza a partir de uma intencionalidade representada por um conjunto de ações que ele antevê como necessárias para executar, a fim de transformar uma situação problemática em uma situação desejada. A realização das atividades produz um movimento no sentido de buscar atingir, no futuro, uma nova situação que responda às suas indagações ou avance no sentido de melhor compreendê-las. Nesse processo de realização das atividades, acontecem imprevistos e mudanças se fazem necessárias, evidenciando que o projeto traz em seu bojo as idéias de previsão de futuro, abertura para mudanças, autonomia na tomada de decisões e flexibilidade.
O projeto se distingue de conjecturas, porque está em constante comprometimento com ações explicitadas intencionalmente em um plano (esboço ou design) caracterizado pela plasticidade, flexibilidade e abertura ao imprevisível. É carregado de incertezas, ambigüidades, soluções provisórias, variáveis e conteúdos não identificáveis a priori e emergentes no processo, sendo continuamente revisto, refletido e reelaborado durante sua realização.
O projeto é desenvolvido pelas pessoas que pensam e atuam em sua realização. Os autores são aqueles que participam em todo o desenvolvimento do projeto, concebem e discutem as problemáticas, descrevem e registram um plano para investigá-las e produzir resultados, desenvolvem as ações e avaliam continuamente se os resultados que vão sendo obtidos são aceitáveis em termos de satisfazer as intenções desejadas, responder às perguntas iniciais ou avançar em sua compreensão e até alterar as perguntas iniciais ou levantar novas perguntas.
Na constituição de um projeto o fundamental é “ter coragem de romper com as limitações do cotidiano, muitas delas auto-impostas” (Almeida & Fonseca Júnior, 2000, p. 23 e 22) e “delinear um percurso possível que pode levar a outros, não imaginados a priori ” (Freire & Prado, 1999, p. 113). Portanto, “supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro” (Gadotti & Romão, 1997, p. 37).
O que vem a ser essa tal de tecnologia?
A preocupação atual com a invasão de privacidade provocada pela convivência cotidiana com as tecnologias de informação e comunicação leva a interpretações equivocadas sobre o conceito de tecnologia. O imaginário das pessoas cria situações em que artefatos tecnológicos adquirem vida própria com elevado nível de inteligência e tornam-se salvadores do mundo ou ameaçam aniquilar toda espécie de vida.
No entanto, em nosso dia-a-dia empregamos processos e usamos artefatos de forma tão natural que nem nos damos conta de que constituem distintas tecnologias há muito presentes em nossa vida, uma vez que já estão incorporados aos nossos hábitos, como é o caso dos processos empregados para cuidar da higiene e limpeza pessoal, alimentar-se, falar ao telefone, cozer etc. Outras tecnologias com as quais convivemos também não se fazem notar embora se caracterizem como artefatos tais como canetas, lápis, cadernos, talheres etc. Outras servem de prótese para estender ou aprimorar nossos sentidos como os óculos, aparelhos de audição, instrumentos de medida e muitos outros.
Evidencia-se que tecnologia é um conceito com múltiplos significados que variam conforme o contexto (Reis, 1995), podendo ser vista como: artefato, cultura, atividade com determinado objetivo, processo de criação, conhecimento sobre uma técnica e seus respectivos processos etc. Em 1985, Kline (apud Reis, 1995, p. 48) propôs uma definição de tecnologia como o estudo do emprego de ferramentas, aparelhos, máquinas, dispositivos, materiais, objetivando uma ação deliberada e a análise de seus efeitos, envolvendo o uso de uma ou mais técnicas para atingir determinado resultado, o que inclui as crenças e os valores subjacentes às ações, estando, portanto, relacionada com o desenvolvimento da humanidade.
Complementando essas idéias, Lévy (1997b) salienta que a técnica faz parte do sistema sócio-técnico global, sendo planejada e construída pelo homem que, ao utilizá-la, apropria-se dela, reinterpretando-a e reconstruindo-a. Assim, as tecnologias são produto de uma sociedade e de uma cultura, não existindo relação de causa e efeito entre tecnologia, cultura e sociedade e sim um movimento cíclico de retroação (Morin, 1996).
Atualmente, com a intensa comunicação entre as pessoas, é comum a transferência das técnicas de uma cultura para outra, mas é no interior de cada cultura que as técnicas adquirem novos significados e valores. No entanto, as tecnologias e seus produtos não são bons nem maus em si mesmos, os problemas não estão na televisão, no computador, na Internet, ou em quaisquer outras mídias e sim nos processos humanos, que podem empregá-los para a emancipação humana ou para a dominação.
É possível integrar projetos e tecnologias?
A utilização de tecnologias na escola e na sala de aula impulsiona a abertura desses espaços ao mundo e ao contexto, permite articular as situações global e local, sem contudo abandonar o universo de conhecimentos acumulados ao longo do desenvolvimento da humanidade. Tecnologias e conhecimentos se integram para produzir novos conhecimentos que permitam compreender as problemáticas atuais e desenvolver projetos, em busca de alternativas para a transformação do cotidiano e a construção da cidadania.
Ao desenvolver projetos em sala de aula, é importante levantar problemáticas relacionadas com a realidade do aluno, cujas questões e temáticas em estudo partem do conhecimento que ele traz de seu contexto e buscam desenvolver investigações para construir um conhecimento científico que ajude este aluno a compreender o mundo e a conviver criticamente na sociedade. Assim, a partir da busca e organização de informações oriundas de distintas fontes e tecnologias, valoriza-se a articulação entre novas formas de representação de conhecimentos através das mídias e respectivas formas de linguagem que mobilizam pensamentos criativos, sentimentos e representações, contribuindo para a comunicação, a interação entre pessoas e objetos de conhecimento, a aprendizagem e o desenvolvimento de produções.
Compreender as diferentes formas de representação e comunicação propiciadas pelas tecnologias disponíveis na escola, bem como criar dinâmicas que permitam estabelecer o diálogo entre as formas de linguagem das mídias, são desafios para a educação atual, que requerem o desenvolvimento de programas de formação continuada de professores.
A mídia audiovisual traz contribuições ao ensino e à aprendizagem?
Mesmo que seus recursos não estejam fisicamente instalados nos espaços escolares, a mídia audiovisual invade a sala de aula. A linguagem produzida na integração entre imagens, movimentos e sons atrai e toma conta das gerações mais jovens, cuja comunicação resulta do encontro entre palavras, gestos e movimentos, distanciando-se do gênero do livro didático, da linearidade das atividades da sala de aula e da rotina escolar. Criar espaços para a identificação e o diálogo entre essas formas de linguagem e permitir que os alunos se expressem de diferentes maneiras são ações que favorecem o desenvolvimento da consciência crítica sobre a influência da mídia e respectivas estratégias direcionadas a determinados grupos sociais, num jogo complexo em que se encontram implícitos, sutilmente, os significados que se pretendem impor a esse público.
A televisão e o vídeo são ótimos recursos para mobilizar os alunos em torno de problemáticas, quando se intenta despertar-lhes o interesse para iniciar estudos sobre determinados temas ou trazer novas perspectivas para investigações em andamento. Assim, pode-se buscar temas que se articulam com os conceitos envolvidos nos projetos em desenvolvimento, selecionar o que for significativo para esses estudos, aprofundar a compreensão sobre os mesmos, estabelecer articulações com informações provenientes de outras mídias, desenvolver representações diversas que entrelaçam forma e conteúdo nos significados que os alunos atribuem aos temas.
Um exemplo de atividade construtiva foi realizado por alunos de alfabetização, com idade entre 6 e 7 anos, da Casa Escola do Rio Grande do Norte. Reportagem do jornal A Tribuna, de Natal (29.10.2002)2, comenta “Alunos decifram a esfinge da televisão brasileira”. Após terem participado de uma filmagem na escola, os alunos levantaram questões sobre a forma de transmissão, a programação da televisão como telejornais, desenhos, propagandas e até mesmo a atitude dos pais diante da televisão. A pesquisa levou-os a compreender diferentes aspectos relacionados com essa mídia e a desenvolver o senso crítico diante da programação dos canais televisivos. Os alunos visitaram a TV Universitária local, onde observaram de perto a produção de programas e puderam debater sobre como produzir programas educativos. O projeto foi concluído com uma exposição dos trabalhos produzidos a respeito de suas descobertas.
No projeto descrito, poder-se-ia dar aos alunos a oportunidade de criar roteiros e tomar a filmadora nas mãos, a fim de produzir seus próprios vídeos, de modo a que pusessem representar o significado de suas análises na mídia audiovisual. Além disso, a articulação entre mídia audiovisual e impressa poderia expandir-se para outras mídias, como o computador, para aprofundar as pesquisas e elaborar novas produções, trocar idéias e experiências com alunos de outras escolas e socializar suas descobertas em sites.
No entanto, para que o professor possa expandir o seu olhar para outros horizontes, é importante que ele esteja engajado em programas de formação continuada, cujo grupo em formação reflete em conjunto sobre as práticas em realização e tem chances de encontrar diferentes alternativas para avançar nesse trabalho de integração entre mídias e conhecimento, propiciando as interconexões entre aprendizagem e construção de conhecimento, cognição e contexto, bem como o redimensionamento do papel da escola como uma organização produtora de conhecimento.
O que o uso de textos e hipertextos traz de inovador para a aprendizagem?
O advento das tecnologias de informação e comunicação – TIC, resultante da junção entre informática e telecomunicações, gerou novos desafios e oportunidades para a incorporação de tecnologias na escola em relação a diferentes formas de representação e comunicação de idéias. A característica de propiciar a interação e a construção colaborativa de conhecimento da tecnologia de informação e comunicação evidenciou o potencial de incitar o desenvolvimento de habilidades de escrever, ler, interpretar textos e hipertextos.
Com o uso das TIC “o ato de ler se transforma historicamente” (Kenski, 2001, p. 132). Não se trata da mesma leitura realizada no espaço linear do material impresso. A leitura de um texto não-linear na tela do computador está baseada em indexações, conexões entre idéias e conceitos articulados por meio de links (nós e ligações), que conectam informações representadas sob diferentes formas, tais como palavras, páginas, imagens, animações, gráficos, sons, clipes de vídeo, etc. Desta forma, ao clicar sobre uma palavra, imagem ou frase definida como um nó de um hipertexto, encontra-se uma nova situação, evento ou outros textos relacionados.
O uso de hipertexto rompe com as seqüências estáticas e lineares de caminho único, com início, meio e fim fixados previamente. O autor disponibiliza um leque de possibilidades informacionais que permite ao leitor dar ao hipertexto um movimento singular, ao interligar as informações segundo seus interesses e necessidades momentâneos, navegando e construindo suas próprias seqüências e rotas. Ao saltar entre as informações e estabelecer suas próprias ligações e associações, o leitor interage com o texto assumindo um papel ativo e tornando-se co-autor do hipertexto. Para Soares (2001), a leitura do hipertexto na tela é feita em camadas, iniciando e terminando no ponto que o leitor decide, o qual pode ter liberdade e autonomia para intervir no texto e reconstruí-lo. Assim, a comunicação pela tela está criando não só novos gêneros da escrita, mas também está inovando o sistema da escrita (ib, 2001: 39).
Leitura e escrita se mesclam na criação de um texto digital. Ler e escrever significa interagir para escolher entre um leque de ligações preestabelecidas pelo criador do hipertexto ou para estabelecer novas ligações não previstas pelo autor (Lévy, 1999), criar percursos próprios, deixar marcas, reconfigurar espaços e criar narrativas pessoais.
Descrever idéias com o uso da mídias digitais cria um movimento entre o escritor e o texto que os aproxima, criando vínculos que seduzem o leitor para ler, refletir, reescrever, atribuir significados, trocar informações e experiências, divulgar fatos do cotidiano, produzir histórias, criar hipertextos e desenvolver projetos.
Outros recursos tecnológicos também permitem o registro de idéias e de visões de mundo por meio da escrita. Porém, até o presente, apenas a tecnologia de informação e comunicação tem como característica o fazer, rever e refazer contínuo, transformando o erro em algo que pode ser revisto e reformulado (depurado) instantaneamente para produzir novos saberes.
É importante integrar as potencialidades das tecnologias de informação e comunicação nas atividades pedagógicas, de modo a favorecer a representação textual e hipertextual do pensamento do aluno, a seleção, a articulação e a troca de informações, bem como o registro sistemático de processos e respectivas produções, para que possa recuperá-las, refletir sobre elas, tomar decisões, efetuar as mudanças que se façam necessárias, estabelecer novas articulações com conhecimentos e desenvolver a espiral da aprendizagem.
Nessa aventura, o professor também é desafiado a assumir uma postura de aprendiz ativo, crítico e criativo, articulador do ensino com a pesquisa, constante investigador sobre o aluno, sobre seu nível de desenvolvimento cognitivo, social e afetivo, sobre sua forma de linguagem, expectativas e necessidades, sobre seu estilo de escrita, sobre seu contexto e sua cultura. O professor é um artista que busca projetar as bases de um currículo intrinsecamente motivador para o aluno tornar-se leitor e escritor. Não é o professor quem planeja para os alunos executarem, ambos são parceiros e sujeitos do processo de conhecimento, cada um atuando segundo o seu papel e nível de desenvolvimento. Para Freire & Shor (1986), o educador faz com os seus alunos e não faz para os alunos.
Assim, novas e diferentes maneiras de produção de saberes e descoberta de conhecimentos, bem como diversas representações que entrelaçam forma e conteúdo nos significados que os autores atribuem aos fatos, fenômenos ou problemas em estudo, são propiciadas pelas TIC e representações em textos, hipertextos e sites (homepages), unindo distintas mídias e linguagens.
Um exemplo do uso das TIC em projetos vem acontecendo na Escola Estadual Antônio Canela, situada na periferia da cidade de Montes Claros, MG, na qual diretora, supervisores, funcionários, professores, alunos e comunidade compartilham problemas e buscam alternativas para tornar viável a integração das TIC aos espaços da escola. Os projetos se desenvolvem em sala de aula a partir das problemáticas locais ou temas de interesse dos alunos. A escola participa do projeto RiverWalk-Brasil3 e utiliza os espaços virtuais da LtNet4 como ambiente virtual de aprendizagem colaborativa e desenvolvimento profissional. A professora facilitadora do laboratório de informática, Marly Almeida, orienta continuamente os alunos monitores para que dêem apoio às atividades dos professores com o computador, ajudem os alunos a criar seu hipertextos e homepages e são parceiros dos professores de outra escola próxima que ainda não conta com monitores.
A parceria da escola com a comunidade se intensificou com o projeto de Inclusão Digital, no qual os alunos monitores são orientadores de seus pais nos primeiros contatos com as TIC, cujo uso está voltado ao trabalho com as problemáticas do cotidiano, em consonância com as idéias de Paulo Freire sobre alfabetização transportadas para o mundo digital, cuja problemática faz emergir novos temas, tais como: o domínio do controle remoto da TV, o acesso aos caixas eletrônicos de bancos para recebimento de proventos, etc. Marly Almeida aponta como resultados do projeto a participação mais efetiva dos pais na escola, sua colaboração em diversas atividades e mudanças nas relações entre pais e filhos: “Estes pais agora fazem parte do cenário escolar junto aos filhos e é comum serem vistos junto aos estudantes nas dependências da escola, como se fossem um deles.”
Assim como a diretora procura estar junto com os demais educadores e alunos da escola, também as professoras multiplicadoras do Núcleo de Tecnologia Educacional - NTE de Montes Claros são parceiras, incentivadoras, provocadoras e promotoras de atividades que integram o uso das TIC com os vídeos da TV Escola, criando um movimento promissor que toma conta das escolas da região Norte de Minas Gerais. A formação de professores a distância foi a estratégia encontrada para preparar professores de sessenta e três escolas da região, situadas tanto na área urbana como rural, localizadas em regiões próximas ou muito distantes da cidade de Montes Claros.
Alguns fatores são comuns a todas essas escolas atendidas pelo NTE de Montes Claros: a formação dos professores se realiza sob a responsabilidade dessas professoras multiplicadoras; os diretores se empenham para superar os obstáculos e prover condições para a realização de projetos com o uso das TIC; existem um ou dois professores facilitadores de informática, articuladores das atividades de uso das TIC, os quais apoiam o trabalho dos demais professores com seus alunos no laboratório de informática e procuram identificar, no cotidiano das escolas, as temáticas que possam despertar o interesse de alunos e conquistar os professores para o desenvolvimento de projetos.
Evidencia-se que os avanços nessas práticas são influenciados pela participação dos profissionais em programas de formação continuada voltados à integração entre tecnologias, principalmente computador, Internet, televisão e vídeo na prática pedagógica. É fato que essa incorporação encontra-se em processo, as experiências em desenvolvimento se relacionam com aspectos intuitivos e a aprendizagem tende ao nível empírico, mas se observa, sobretudo, que os professores são encorajados pelos multiplicadores a desenvolver estratégias adequadas. Assim, o multiplicador desempenha papel fundamental para orientar o professor e este é essencial para a participação e o desenvolvimento do aluno em atividades destinadas a propiciar o uso e a produção de conhecimento significativo. Multiplicadores, professores, alunos e comunidade podem constituir uma comunidade de aprendizagem e conhecimento, em formação ao longo da vida.
E como as tecnologias se integram à prática pedagógica?
O professor que atua nessa perspectiva tem uma intencionalidade enquanto responsável pela aprendizagem de seus alunos e esta constitui o seu projeto de atuação, elaborado com vistas a respeitar os diferentes estilos e ritmos de trabalho dos alunos, incentivar o trabalho colaborativo em sala de aula no que se refere ao planejamento, escolha do tema e respectiva problemática a ser investigada e registrada em termos do processo e respectivas produções, orientar o emprego de distintas tecnologias incorporadas aos projetos dos alunos, de modo a trazer significativas contribuições à aprendizagem.
Essa prática pedagógica é uma forma de conceber educação que envolve o aluno, o professor, as tecnologias disponíveis, a escola e seu entorno e todas as interações que se estabelecem nesse ambiente, denominado ambiente de aprendizagem. Tudo isso implica um processo de investigação, representação, reflexão, descoberta e construção do conhecimento, no qual as mídias a utilizar são selecionadas segundo os objetivos da atividade. No entanto, caso o professor não conheça as características, potencialidades e limitações das tecnologias e mídias, ele poderá desperdiçar a oportunidade de favorecer um desenvolvimento mais poderoso do aluno. Isto porque para questionar o aluno, desafiá-lo e instigá-lo a buscar construir e reconstruir conhecimento com o uso articulado de tecnologias, o professor precisa saber quais mídias são tratadas por essas tecnologias e o que elas oferecem em termos de suas principais ferramentas, funções e estruturas.
Evidencia-se, portanto, a importância da atuação do professor e respectivas competências em relação à mobilização e emprego das mídias, subsidiado por teorias educacionais que lhe permitam identificar em que atividades essas mídias têm maior potencial e são mais adequadas. Para que o professor possa desenvolver tais competências, é preciso que ele esteja engajado em programas de formação, participando de comunidades de aprendizagem e produção de conhecimento.
Que formação de professores é essa?
O triplo domínio em termos midiáticos com as respectivas linguagens, teórico-educacionais e pedagógicos, acrescido da gestão das atividades em realização e respectivos recursos empregados, é adquirido por meio de formação continuada, na qual o professor tem a oportunidade de explorar as tecnologias, analisar suas potencialidades, estabelecer conexões entre essas tecnologias em atividades nas quais ele atua como formador, refletir com o grupo em formação sobre as possibilidades das atividades realizadas com aprendizes e buscar teorias que favoreçam a compreensão dessa nova prática pedagógica.
No processo de formação, o educador tem a oportunidade de vivenciar distintos papéis como o de aprendiz, o de observador da atuação de outro educador, o papel de gestor de atividades desenvolvidas em grupo com seus colegas em formação e o papel de mediador junto com outros aprendizes. A reflexão sobre essas vivências incita a compreensão sobre o seu papel no desenvolvimento de projetos que incorporam distintas tecnologias e mídias para a produção de conhecimentos.
A concepção dessa formação é a de continuidade e serviço, de processo, não buscando um produto pronto, mas sim a criação de um movimento cuja dinâmica se estabelece na reflexão na ação e na reflexão sobre a ação (Shön, 1992), ação esta experienciada durante a formação, recontextualizada na prática do formando e refletida pelo grupo em formação, realimentando a formação, a prática de formandos e formadores e as teorias que a fundamentam. Não se trata de uma formação voltada para atuação no futuro, mas sim de uma formação direcionada pelo presente, tendo como pano de fundo a ação imediata do educador. Procura-se estabelecer uma congruência entre o processo vivido pelo educador formando e sua prática profissional.
A partir da convivência com os desafios e outros fatores que interferiam no trabalho educativo, na busca conjunta de alternativas para sobrepujar as dificuldades, no compartilhamento de conquistas e fracassos, nas reflexões na e sobre a própria ação, o educador tem a possibilidade de compreender o quê, como, por quê e para quê (Imbernón, 1998) empregar o computador em sua ação.
Cabe aos formadores de educadores proporcionar-lhes essas vivências; acompanhar a atuação do educador em formação com outros aprendizes; criar situações para a reflexão coletiva sobre: novas descobertas, o processo em desenvolvimento, as produções realizadas, as dificuldades enfrentadas e as estratégias que permitam ultrapassá-las; enfim, depurar continuamente o andamento do trabalho junto ao grupo em formação. Essa formação centrada no contexto de atuação do professor e na realidade da escola se assemelha a uma dança que articula distintos passos (Valente, 2003), porém, para proporcionar essa dança, os instrumentos precisam estar em harmonia, combinando ritmos e articulando os momentos em que tocam em conjunto ou em que alguns silenciam e outros se sobressaem para que exista uma produção compartilhada.
Exemplos de projetos que integram distintas tecnologias, com o objetivo de propiciar aos alunos a aprendizagem sobre imagem fotográfica e vídeo, por meio da produções desenvolvidas pelos alunos, são descritos a seguir:
>> O Projeto Foto Escola, realizado em uma escola pública de um pequeno bairro de município próximo à cidade de São Paulo, foi organizado pelo professor de Educação Artística, o qual apresenta atitudes de tendência inovadora e arrojada, evidenciando uma prática pedagógica que se aproxima da ótica de projetos com integração entre distintas tecnologias: máquina fotográfica, computador (software Como as coisas funcionam, processador de textos Word e editor de desenhos Paint, ambos do Pacote Office da Microsoft) e jornal. O professor responsável lembra que tem o projeto registrado, mas a cada ano este precisa ser adaptado ao nível da turma e somente é desenvolvido caso haja uma negociação com os alunos e escolha do tema de trabalho por meio de votação. No início do ano letivo, o professor faz em cada classe uma votação sobre os conteúdos que os alunos gostariam de aprender e o trabalho se desenvolve a partir do interesse demonstrado. O projeto partiu de uma curiosidade ou uma questão que o professor lançou para a turma: vamos aprender fotografia? Os alunos gostaram da idéia, o professor os incitou a pesquisar sobre o tema, até que levantaram questões relacionadas ao funcionamento da máquina fotográfica. Num primeiro momento o professor “monitorou” a utilização do software “Como as Coisas Funcionam”, orientando os alunos para analisar o funcionamento da máquina fotográfica e para chegarem ao tema do estudo, depois eles puderam navegar livremente. Em seguida, o professor acompanhou os alunos em expedição na natureza para colher fotos ao ar livre. Caminharam pelo menos duas horas até atingir o alto de uma pedra onde há uma gruta; cada grupo de trabalho escolheu o que era mais apropriado para tirar as fotos em 1o, 2o e 3o plano. Após a revelação, o resultado foi analisado pelos grupos, conforme critérios previamente estabelecidos e os autores da melhor foto ganharam um filme para máquina fotográfica e a respectiva revelação. Em seguida, os alunos voltaram ao computador para reelaborar os cenários das fotos e criar textos explicativos sobre produção de fotografia. Os alunos demonstraram satisfação pelas atividades, admiração e estima pelo professor. Manifestaram fascínio pelo trabalho no computador, interesse pelo estudo de conteúdos específicos com o uso de tecnologias e facilidade de aprender com os recursos de animação oferecidos pelo software.
Entrevistei os alunos da 8a série que trabalharam no projeto Foto Escola. Seus depoimentos se prenderam ao prazer de aprender de forma diferente e à compreensão propiciada pelo uso integrado das tecnologias. Alguns alunos indicaram ter compreendido o funcionamento da máquina fotográfica em função da animação propiciada pelos recursos do software e, posteriormente, pela representação que fizeram no computador. Um aluno identificou com clareza a diferença entre ver o desenho estático de uma máquina fotográfica no papel e observar no software os movimentos de dispositivos que colocam a máquina em funcionamento:
“O computador nos ajudou a entender o funcionamento da máquina fotográfica, o que seria bem mais difícil somente olhando para um desenho da máquina feito no papel. Vimos também o processo de revelar a foto.”
>> Além desse projeto, o professor orientou um projeto para a criação do roteiro de um filme rodado pelos alunos do 1o ano do Ensino Médio. A organização das idéias do filme foi trabalhada coletivamente durante um bimestre e deu origem ao roteiro, à caracterização dos personagens, ao planejamento das cenas, etc. Os papéis foram assumidos pelos alunos: editor, diretor de imagem, eletricista (aluno, cujo pai é eletricista), atores, responsável pela sonoplastia – DJ (aluno que ajuda conjuntos musicais), operador de câmera, figurantes, diretor de ensaios. O computador foi empregado para compor a abertura e o fechamento do filme e para editar textos no PowerPoint.
>> Outro projeto desenvolvido pelo mesmo professor com os alunos do 1o ano do Ensino Médio trata da montagem de um documentário. O professor diz que lançou a idéia para várias turmas, mas somente uma encantou-se com a idéia. Os alunos se mobilizaram na distribuição dos grupos para apresentação do documentário, escrita do roteiro, levantamento dos recursos necessários (disponíveis e a providenciar). O tema escolhido foi Coleta de Lixo na localidade que, segundo o professor, era uma problemática séria e polêmica na cidade porque o lixo era freqüentemente jogado às margens da rodovia e arrastado por uma cachoeira, correndo pela mata e deixando um rastro de garrafas de plástico e outros dejetos, o que criava um sério problema para a preservação ambiental.
O documentário envolveu a realização de uma pesquisa de campo, na qual os alunos visitaram a Prefeitura para obter dados técnicos sobre o lixo, tais como número de vezes por semana em que deveria ocorrer a coleta, produção de lixo per capita, locais previstos para armazenamento do lixo etc. Depois verificaram as condições desses locais, o tratamento dado ao lixo e a rota do caminhão coletor. O PowerPoint e o Excel foram usados para representar o conhecimento, à medida que os dados eram coletados. Este trabalho se articulou com outra pesquisa já desenvolvida sobre o lixo e publicada no jornal da escola, orientada pelos professores de Português.
O professor de Educação Artística considerou a clareza das intenções dos projetos como fator essencial ao sucesso do ensino e da aprendizagem. Para aguçar a curiosidade dos alunos, criava desafios e, para evitar que desanimassem diante das dificuldades, fornecia-lhes sugestões de ações para o encaminhamento dos projetos, conforme salientou:
“Os alunos se entusiasmam com qualquer atividade diferente, mas é preciso ter clareza do que se pretende fazer. Se o professor não tem um projeto, ele pode se perder no meio do caminho e aí é difícil recuperar o ânimo do pessoal. Quando os alunos dizem: vamos fazer isso? Eu digo logo: já pensaram nisso? E naquilo outro? Diante disso, os alunos tendem a desanimar, mas eu os estimulo a elaborar o roteiro do projeto que desejam desenvolver. Então é preciso que tenhamos tudo bem claro para depois fazer.”
Referências bibliográficas
Freire, P. & Shor, I. Medo e ousadia. O cotidiano do professor. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
Texto originalmente publicado em Salto para o Futuro
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