José Armando Valente
O PAPEL DO COMPUTADOR NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
Introdução
As “Novas Tecnologias usadas na Educação” – que já estão ficando velhas! – deverão receber um novo incentivo com a possibilidade de junção de diferentes mídias em um só artefato: TV, vídeo, computador, internet. Estamos assistindo ao nascimento da Tecnologia Digital, que poderá ter um impacto ainda maior no processo ensino-aprendizagem. Será uma outra revolução que os educadores terão que enfrentar, sem ter digerido totalmente o que as Novas Tecnologias têm para oferecer. E a questão fundamental é recorrente: sem o conhecimento técnico será possível implantar soluções pedagógicas inovadoras e vice-versa, sem o pedagógico os recursos técnicos disponíveis serão adequadamente utilizados?
Embora as sofisticações tecnológicas sejam ainda maiores, existem dois aspectos que devem ser observados na implantação destas tecnologias na educação. Primeiro, o domínio do técnico e do pedagógico não deve acontecer de modo estanque, um separado do outro. É irrealista pensar em primeiro ser um especialista em informática ou em mídia digital para depois tirar proveito desse conhecimento nas atividades pedagógicas. O melhor é quando os conhecimentos técnicos e pedagógicos crescem juntos, simultaneamente, um demandando novas idéias do outro. O domínio das técnicas acontece por necessidades e exigências do pedagógico e as novas possibilidades técnicas criam novas aberturas para o pedagógico, constituindo uma verdadeira espiral de aprendizagem ascendente na sua complexidade técnica e pedagógica (Valente, 2002a).
O segundo aspecto diz respeito à especificidade de cada tecnologia com relação às aplicações pedagógicas. O educador deve conhecer o que cada uma destas facilidades tecnológicas tem a oferecer e como pode ser explorada em diferentes situações educacionais. Em uma determinada situação, a TV pode ser mais apropriada do que o computador. Mesmo com relação ao computador, existem diferentes aplicações que podem ser exploradas, dependendo do que está sendo estudado ou dos objetivos que o professor pretende atingir.
As facilidades técnicas oferecidas pelos computadores possibilitam a exploração de um leque ilimitado de ações pedagógicas, permitindo uma ampla diversidade de atividades que professores e alunos podem realizar. Por outro lado, essa ampla gama de atividades pode ou não estar contribuindo para o processo de construção de conhecimento. O aluno pode estar fazendo coisas fantásticas, porém o conhecimento usado nessas atividades pode ser o mesmo que o exigido em uma outra atividade menos espetacular. O produto pode ser sofisticado, mas não ser efetivo na construção de novos conhecimentos. Por exemplo, o aluno pode estar buscando informação na rede internet, na forma de texto, vídeo ou gráficos, colando-as na elaboração de uma multimídia, porém sem ter criticado ou refletido sobre os diferentes conteúdos utilizados. Com isso, a multimídia pode ter um efeito atraente, mas ser vazia do ponto de vista de conteúdos relevantes ao tema. Por outro lado, o aluno pode estar acessando informação relevante, usando recursos poderosos de busca, e esta informação estar sendo trabalhada em uma situação fora do contexto da tecnologia, criando oportunidades de processamento desta informação e, por conseguinte, de construção de novos conhecimentos.
Nesse aspecto, a experiência pedagógica do professor é fundamental. Conhecendo as técnicas de informática para a realização dessas atividades e sabendo o que significa construir conhecimento, o professor deve indagar se o uso do computador está ou não contribuindo para a construção de novos conhecimentos.
Para ser capaz de responder a essa pergunta, o professor precisa conhecer as diferentes modalidades de uso da informática na educação – programação, elaboração de multimídia, uso de multimídia, busca da informação na internet, ou mesmo de comunicação – e entender os recursos que elas oferecem para a construção de conhecimento. Conforme análise feita em outro artigo (Valente, 1999a), em algumas situações o computador oferece recursos importantes para a construção de conhecimento, como no caso da programação e da elaboração de multimídias. Em outros, esses recursos não estão presentes e atividades complementares devem ser propostas no sentido de favorecer esta construção. Por exemplo, no caso de busca e acesso à informação na internet, esta informação não deve ser utilizada sem antes ser criticada e discutida. No entanto, essa visão crítica, em geral, não tem sido exigida nas atividades de uso da informática e ela não pode ser feita pelo computador. Esta reflexão crítica cabe ao professor.
Uma vez o professor sentindo-se mais familiarizado com as questões técnicas, pode dedicar-se à exploração da informática em atividades pedagógicas mais sofisticadas. Ele poderá integrar conteúdos disciplinares, desenvolver projetos utilizando os recursos das tecnologias digitais e saber desafiar os alunos para que, a partir do projeto que cada um desenvolve, seja possível atingir os objetivos pedagógicos que ele determinou em seu planejamento (Valente, 2002b).
Assim, neste artigo serão apresentadas três grandes aplicações do computador na educação, procurando mostrar e discutir o que esta tecnologia pode oferecer como meio para representar e construir novos conhecimentos, para buscar e acessar informação e para se comunicar com outras pessoas, ou estabelecer relações de cooperação na resolução de problemas. No entanto, antes de iniciarmos esta discussão, é importante entender a distinção fundamental entre alguns conceitos como informação e conhecimento e entre ensinar e aprender.
Aspectos pedagógicos: informação X conhecimento, ensinar X aprender
O que significa conhecimento e como ele difere da informação? A informação será tratada aqui como os fatos, os dados que encontramos nas publicações, na internet ou mesmo aquilo que as pessoas trocam entre si. Assim, passamos e trocamos informação. O conhecimento é o que cada indivíduo constrói como produto do processamento, da interpretação, da compreensão da informação. É o significado que atribuímos e representamos em nossa mente sobre a nossa realidade. É algo construído por cada um, muito próprio e impossível de ser passado – o que é passado é a informação que advém desse conhecimento, porém nunca o conhecimento em si.
Essa distinção entre informação e conhecimento nos leva a atribuir diferentes significados aos conceitos de ensino e aprendizagem. Um significado para o conceito de ensino pode ser o literal, definido pela origem etimológica da palavra. Ensinar tem sua origem no latim, ensignare, que significa “colocar signos” e, portanto, pode ser compreendido como o ato de “depositar informação” no aprendiz – é a educação bancária, criticada por Paulo Freire (1970). Segundo esta concepção, o professor ensina quando passa a informação para o aluno e esse aprende porque memoriza e reproduz, fielmente, essa informação. Aprender está diretamente vinculado à memorização e à reprodução da informação.
Uma outra interpretação para o conceito de aprender é o de construir conhecimento. Para tanto, o aprendiz deve processar a informação que obtém interagindo com o mundo dos objetos e das pessoas. Na interação com o mundo, o aprendiz se coloca frente a problemas e situações que devem ser resolvidos e, para tanto, é necessário buscar certas informações. No entanto, a informação nem sempre é passível de ser aplicada na mesma forma como foi obtida. Por exemplo, memorizar o teorema de Pitágoras pode não ser suficiente para resolver o problema de minimizar o trajeto que um indivíduo faz para ir da sua casa à padaria. A aplicação da informação exige a interpretação e o processamento da mesma, o que implica a atribuição de significados de modo que a informação passe a ter sentido para aquele aprendiz. Assim, aprender significa apropriar-se da informação segundo os conhecimentos que o aprendiz já possui e que estão sendo continuamente construídos. Ensinar deixa de ser o ato de transmitir informação e passa a ser o de criar ambientes de aprendizagem para que o aluno possa interagir com uma variedade de situações e problemas, auxiliando-o na interpretação dos mesmos para que consiga construir novos conhecimentos.
Se o conhecimento é produto do processamento da informação, como será possível incentivar esse processamento e como ele acontece? Será que ele pode ocorrer espontaneamente ou necessita de auxílio de indivíduos mais experientes que possam facilitar o processamento da informação ou a sua organização de modo a se tornar mais acessível? Tudo indica que a espontaneidade é insuficiente como meio gerador de conhecimento. Com o auxílio adequado de especialistas poderemos atingir graus de excelência educacionais cada vez maiores.
A distinção entre uma abordagem educacional que privilegia a transmissão de informação e uma abordagem que enfatiza o desenvolvimento de projetos e a construção de conhecimento coloca os educadores entre dois pólos que não podem ser vistos como antagônicos. Eles não podem ser extremistas no sentido de terem que optar exclusivamente por uma prática baseada na transmissão de informação ou na construção de conhecimento. O educador deve estar preparado e saber intervir no processo de aprendizagem do aluno, para que ele seja capaz de transformar as informações (transmitidas e/ou pesquisadas) em conhecimento, por meio de situações-problema, projetos e/ou outras atividades que envolvem ações reflexivas. O importante é que haja um movimento entre estas duas abordagens pedagógicas de forma articulada, propiciando ao aluno oportunidades de construção do conhecimento.
O mesmo vale para o uso da tecnologia. Em um determinado momento a busca da informação é importante, como a comunicação com outras pessoas. É a dança entre as abordagens pedagógicas e as diferentes aplicações do computador que determina uma educação efetiva. Porém, para fazer isto, no caso de uso das tecnologias, é importante saber o que elas oferecem do ponto de vista pedagógico.
Construção e representação de conhecimento
O conhecimento que é construído na mente de um indivíduo pode ser representado ou explicitado por intermédio de uma notação. Por exemplo, os conhecimentos musicais e o nosso pensar musicalmente podem ser representados por meio da notação musical; podemos pensar sobre um fenômeno e representá-lo por intermédio de uma equação matemática. No entanto, o que acontece na educação atualmente é que se assume que, para ser capaz de representar estas idéias, é necessário, primeiro, ter o domínio da notação. Com isto, ensina-se a técnica de resolução de equação e não a compreensão do fenômeno e sua representação por intermédio da equação; ou o domínio do instrumento e da notação musical e não a representação de idéias musicas. A complexidade da notação passa a ser pré-requisito para o processo de representação de idéias e não é trabalhada a questão da representação do conhecimento.
No caso da solução de problemas por intermédio da programação de computadores, principalmente usando a linguagem Logo, o programa produzido pode ser visto como a representação, em termos de comandos desta linguagem, da resolução ou do projeto sendo desenvolvido. No entanto, este programa é mais do que a representação, já que ele pode ser executado pelo computador, produzindo um resultado. Este resultado, quando confrontado com a idéia que deu origem ao programa, possibilita ao aprendiz rever seus conceitos e com isto aprimorá-los ou construir novos conhecimentos. Assim, nasceu a idéia de que a programação acontece em ciclos, auxiliando o processo de construção de conhecimento.
O fato de o computador poder executar a seqüência de comandos que foi fornecida significa que ele está fazendo mais do que servir para representar idéias. Ele está sendo um elo importante no ciclo de ações descrição-execução-reflexão-depuração, que pode favorecer o processo de construção de conhecimento (Valente, 1993; Valente, 1999a). A aprendizagem decorrente tem sido explicada em termos de ações, que tanto o aprendiz quanto o computador executam, as quais auxiliam a compreensão de como o aprendiz adquire novos conhecimentos: como o aprendiz, durante o processo de resolução de uma tarefa, passa de um nível inicial de conhecimento para outros mais elaborados.
O ciclo de ações pode ser identificado, principalmente, quando o aluno usa a linguagem de programação Logo para elaborar programas com o objetivo de resolver problemas. O desenvolvimento de um programa se inicia com uma idéia de como resolver o problema, ou seja, como produzir um determinado gráfico na tela. Esta idéia é passada para o computador na forma de uma seqüência de comandos do Logo. Essa atividade pode ser vista como o aluno agindo sobre o objeto “computador”. Entretanto, essa ação implica a descrição da solução do problema, usando comandos do Logo.
O computador, por sua vez, realiza a execução desses programas, apresentando na tela um resultado. O aluno pode usar estas informações para realizar uma reflexão sobre o que ele intencionava e o que está sendo produzido, acarretando diversos níveis de abstração: abstração empírica, abstração pseudo-empírica e abstração reflexionante (Piaget, 1995; Mantoan, 1994).
Esta reflexão pode acarretar uma das seguintes ações alternativas: ou o aluno não modifica o programa porque as suas idéias iniciais sobre a resolução daquele problema correspondem aos resultados apresentados pelo computador, e, então, o problema está resolvido; ou depura o programa quando o resultado é diferente da sua intenção original. A depuração pode ser em termos de alguma convenção da linguagem Logo, sobre um conceito envolvido no problema em questão (o aluno não sabe sobre ângulo), ou ainda sobre estratégias (o aluno não sabe como usar técnicas de resolução de problemas). A depuração implica uma nova descrição e, assim, sucessivamente, repetindo o ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição.
Sob a ótica do ciclo, cada uma das versões do programa que o aprendiz produz pode ser vista como uma explicitação do seu raciocínio, por meio de uma linguagem precisa e formal. Neste sentido, a descrição no ciclo corresponde à idéia da representação do conhecimento, mencionada anteriormente.
A execução, fornecendo um resultado sobre o que o aprendiz intencionava, pode ajudá-lo no processo de reflexão e depuração das idéias, permitindo atingir ou não a resolução do problema. Em algumas situações, o aluno pode não dispor do conhecimento necessário para progredir e isto significa abortar o ciclo. Neste ponto, entra a figura do professor ou de um agente de aprendizagem que tem a função de manter o aluno realizando o ciclo. Para tanto, o agente pode explicitar o problema que o aluno está resolvendo, conhecer o aluno e como ele pensa, incentivar diferentes níveis de descrição, trabalhar os diferentes níveis de reflexão, facilitar a depuração e utilizar e incentivar as relações sociais (Valente, 1996). O grande desafio é fazer com que o aluno mantenha o ciclo em ação.
O ciclo que se estabelece na interação aprendiz-computador pode ser mais efetivo se mediado por um agente de aprendizagem ou professor que saiba o significado do processo de aprender por intermédio da construção de conhecimento. O professor precisa compreender as idéias do aprendiz e sobre como atuar no processo de construção de conhecimento para intervir apropriadamente na situação, de modo a auxiliá-lo neste processo. No entanto, o nível de envolvimento e a atuação do professor são facilitados pelo fato de o programa ser a descrição do raciocínio do aprendiz e explicitar o conhecimento que ele tem sobre o problema que está sendo resolvido.
Além disso, o aprendiz está inserido em ambiente social e cultural constituído, mais localmente, por colegas, professores, pais, ou seja, pela comunidade em que vive. Ele pode extrair os elementos sociais e culturais como fontes de idéias e de informação, bem como identificar problemas para serem resolvidos, via computador. A interação do aprendiz com o computador e os diversos elementos que estão presentes na atividade de programação são mostrados no esquema da figura 1.
Figura 1 – Interação aprendiz-computador na situação de programação
O ciclo em que se dá o processo de programação pode acontecer também quando o aprendiz utiliza outros software, como processador de texto ou sistemas de autoria (Valente, 1993; Valente, 1999a). A diferença da programação para esses outros usos é o quanto esses outros software oferecem em termos de facilidade para a realização do ciclo descrição-execução-reflexão-depuração-descrição. A limitação não está na possibilidade de representar conhecimento, mas na capacidade de execução do computador. Por exemplo, no processador de texto é muito fácil representar idéias, e a representação é feita por intermédio da escrita em língua materna. Porém, o computador ainda não tem capacidade de interpretar esse texto fornecendo um resultado sobre o conteúdo do mesmo. Ele pode fornecer informação sobre a formatação do texto, ortografia e, em alguns casos, sobre aspectos gramaticais. Mas não ainda sobre o significado do conteúdo. Isto tem que ser realizado por uma pessoa que lê o texto e fornece o “resultado” desta leitura em termos de significados, coerência de idéias etc.
A idéia do ciclo tem sido útil para identificar as ações que o aprendiz realiza e como cada uma delas pode ajudá-lo a construir novos conhecimentos sobre conceitos, resolução de problema, sobre aprender a aprender e sobre o pensar. Porém, como mecanismo para explicar o que acontece com a mente do aprendiz na interação com o computador, a idéia de ciclo é limitada. As ações podem ser cíclicas e repetitivas, mas a cada realização de um ciclo, as construções são sempre crescentes. Mesmo errando e não atingindo um resultado de sucesso, o aprendiz está obtendo informações que são úteis na construção de conhecimento. Na verdade, terminado um ciclo, o pensamento nunca é exatamente igual ao que se encontrava no início da realização desse ciclo. Assim, a idéia mais adequada para explicar o processo mental dessa aprendizagem é a de uma espiral (Valente, 2002a).
Um outro aspecto presente na representação dos conhecimentos explicitado no trabalho com o computador é o fato de ser possível identificar, do ponto de vista cognitivo, os conceitos e as estratégias que o aprendiz utiliza para resolver um problema ou projeto. Este é o lado racional, cognitivo da resolução de um projeto. Porém, neste projeto também estão presentes aspectos estéticos que não podem ser ignorados. Eles também estão representados por intermédio de comandos e podem ser analisados de modo idêntico ao que normalmente é feito com o aspecto cognitivo. Este é o lado emocional e afetivo do trabalho com o computador que, normalmente, tem sido ignorado. À medida que recursos de combinação de textos, imagens, animação estão se tornando cada vez mais fáceis de serem manipulados e explorados, é possível entender como as pessoas expressam estes sentimentos por intermédio dos software. Representar ou explicitar esse conhecimento estético constitui o primeiro passo para compreender o lado emocional, que na Educação tem sido sobrepujado pelo aspecto cognitivo, racional.
Busca e acesso à informação
O computador apresenta um dos mais eficientes recursos para a busca e acesso à informação. Existem hoje sofisticados mecanismos de busca, que permitem encontrar de modo muito rápido a informação existente em banco de dados, em CD-Roms e mesmo na Web. Esta informação pode ser um fato isolado ou organizado na forma de um tutorial sobre um determinado tópico disciplinar. Porém, como foi dito anteriormente, somente ter a informação não significa que o aprendiz compreende o que obteve.
No caso dos tutoriais, a informação é organizada de acordo com uma seqüência pedagógica e o aluno pode seguir esta seqüência, ou pode escolher a informação que desejar. Em geral, há software que permitem escolha, as informações são organizadas na forma de hipertextos (textos interligados) e passar de um hipertexto para outro constitui a ação de “navegar” no software.
Tanto no caso de o aluno seguir uma seqüência predeterminada quanto de o aluno poder escolher o caminho a ser seguido, existe uma organização previamente definida da informação. A interação entre o aprendiz e o computador consiste na leitura da tela (ou escuta da informação fornecida), no avanço na seqüência de informação, na escolha de informação, e/ou na resposta de perguntas que são fornecidas ao sistema.
O uso da Internet e, mais especificamente da Web, como fonte de informação não é muito diferente do que acontece com os tutoriais. Claro que, no caso da Web, existem outras facilidades, como a combinação de textos, imagens, animação, sons e vídeos que tornam a informação muito mais atraente. Porém, a ação que o aprendiz realiza é a de escolher entre opções oferecidas. Ele não está descrevendo o que pensa, mas decidindo entre várias possibilidades oferecidas pela Web. Uma vez escolhida uma opção, o computador apresenta a informação disponível (execução da opção) e o aprendiz pode refletir sobre a mesma – reflexão sobre a opção ou a abstração reflexionante. Com base nessas reflexões o aprendiz pode selecionar outras opções, provocando idas e vindas entre tópicos de informação e, com isto, navegar na Web. Estas ações são representadas na figura 2.
Figura 2 – Interação aprendiz-computador navegando na internet
A internet está ficando cada vez mais interessante e criativa, possibilitando a exploração de um número incrível de assuntos. Porém, se o aprendiz não tem um objetivo nesta navegação ele pode ficar perdido. A idéia de navegar pode mantê-lo ocupado por um longo período de tempo, porém muito pouco pode ser realizado em termos de compreensão e transformação dos tópicos visitados em conhecimento. Se a informação obtida não é posta em uso, se ela não é trabalhada pelo professor, não há nenhuma maneira de estarmos seguros de que o aluno compreendeu o que está fazendo. Nesse caso, cabe ao professor suprir essas situações para que a construção do conhecimento ocorra.
Comunicação
Computadores interligados em rede e, por sua vez, interligados à internet constituem em um dos mais poderosos meios de troca de informação e de realização de ações cooperativas. Por meio do correio eletrônico (e-mail) é possível enviar mensagens para outras pessoas conectadas na rede e em locais mais remotos do planeta. É possível entrar em contato com pessoas e trocar idéias socialmente, ou conseguir ajuda na resolução de problemas ou mesmo cooperar com um grupo de pessoas na elaboração de uma tarefa complexa. Tudo isto acontecendo sem que nenhuma pessoa deixe seu posto de trabalho, de estudo ou a sua habitação.
Do ponto de vista de construção de conhecimento, a cooperação que acontece entre pessoas de um determinado grupo é uma das maneiras mais interessantes de uso das facilidades de comunicação do computador, constituindo em uma das abordagens de educação a distância. Esta abordagem tem sido denominada de “estar junto virtual” (Valente, 1999b) e envolve o acompanhamento e assessoramento constante dos membros do grupo, no sentido de poder entender o que cada um faz, para ser capaz de propor desafios e auxiliá-lo a atribuir significado ao que está realizando. Só assim é possível ajudar cada um no processamento das informações, aplicando-as, transformando-as, buscando novas informações e, assim, construindo novos conhecimentos.
Na abordagem do “estar junto virtual”, a interação entre aprendizes – membros de grupo – pode acontecer por meio de fóruns de discussão, chats, murais e portfólios de modo que a comunicação via internet possibilite a realização do ciclo de ações descrição-execução-reflexão-depuração-descrição (Valente, 1999a) via rede. Esse ciclo se inicia com o engajamento do grupo na resolução de um problema ou projeto. A ação de cada aprendiz produz resultados que podem servir como objetos de reflexões. Estas reflexões podem gerar indagações e dificuldades que podem impedir um aprendiz de resolver o problema ou projeto. Nessa situação, ele pode enviar essas questões ou uma breve descrição do que ocorre para os demais membros do grupo ou para um especialista. Este especialista reflete sobre as questões solicitadas e envia sua opinião, ou material, na forma de textos e exemplos de atividades que poderão auxiliar o aprendiz a resolver seus problemas. O aprendiz recebe essas idéias e tenta colocá-las em ação, gerando novas dúvidas, que poderão ser resolvidas com o suporte dos demais colegas ou do especialista. Com isso, estabelece-se um ciclo que mantém os membros do grupo cooperando entre si, realizando atividades inovadoras e criando oportunidades de construção de conhecimento. Assim, a internet pode propiciar o “estar junto” dos membros de um grupo, tendo o suporte de um especialista, vivenciando com ele o processo de construção do conhecimento. A figura 3 ilustra o “estar junto virtual”.
Figura 3 – Ciclo de cooperação que se estabelece na interação aprendizes-especialista, no “estar junto virtual” via internet
O “estar junto virtual” vai além de uma simples comunicação via rede. Ele propicia as condições para a comunicação e a troca de experiências dos membros de um determinado grupo na elaboração de um projeto ou na resolução de um problema. Quando o grupo não tem condições de resolver o problema, ele pode recorrer à ajuda de um especialista que pode criar condições não só para que o problema seja resolvido, mas para que estas oportunidades possam gerar novos conhecimentos. Para que isto ocorra, as interações com os aprendizes devem enfatizar a troca de idéias, o questionamento, o desafio e, em determinados momentos, o fornecimento da informação necessária para que o grupo possa avançar, ou seja, o “estar junto”, ao lado do aprendiz, vivenciando e auxiliando-o a resolver seus problemas.
Conclusões
Estas diferentes aplicações do computador na educação foram apresentadas de forma separada, embora elas possam ocorrer simultaneamente, quando o aprendiz desenvolve um projeto ou resolve um problema por intermédio do computador. Todas estas aplicações se dão usando o mesmo recurso e dependem somente da existência de software específicos e do fato de o computador estar ligado na internet. Quando o projeto está sendo resolvido, o aluno pode, em uma determinada situação, usar os recursos de representação da solução do projeto usando uma linguagem de programação ou um software de autoria para a elaboração de uma página para a Web, ou pode buscar uma informação ou mesmo enviar mensagens para um determinado especialista (Valente, 2002b). Não existe uma hora predeterminada ou mesmo um currículo a ser cumprido para que estas aplicações sejam exercitadas e praticadas.
Essa breve análise sobre as questões técnicas e pedagógicas da informática na educação mostra que os grandes desafios dessa área estão na combinação do técnico com o pedagógico e, essencialmente, na formação do professor para que ele saiba orientar e desafiar o aluno para que a atividade computacional contribua para a aquisição de novos conhecimentos.
A formação do professor, portanto, envolve muito mais do que provê-lo com conhecimento técnico sobre computadores. Ela deve criar condições para que ele possa construir conhecimento sobre os aspectos computacionais, compreender as perspectivas educacionais subjacentes às diferentes aplicações do computador, e entender por que e como integrar o computador na sua prática pedagógica. Deve proporcionar ao professor as bases para que possa superar barreiras de ordem administrativa e pedagógica, possibilitando a transição de um sistema fragmentado de ensino para uma abordagem integradora de conteúdo, e voltada para a elaboração de projetos temáticos do interesse de cada aluno. Finalmente, deve criar condições para que o professor saiba recontextualizar o aprendizado e a experiência vivida durante a sua formação para a sua realidade de sala de aula, compatibilizando as necessidades de seus alunos e os objetivos pedagógicos que se dispõe a atingir (Prado e Valente, 2002).
Nesse sentido, o desafio desta formação é enorme. Ela deve ser pensada na forma de uma espiral crescente de aprendizagem, permitindo ao educador adquirir simultaneamente habilidades e competências técnicas e pedagógicas. No entanto, a preparação desse professor é fundamental para que a educação dê o salto de qualidade e deixe de ser baseada na transmissão da informação para incorporar também aspectos da construção do conhecimento pelo aluno, usando para isto as tecnologias digitais que estão cada vez mais presentes em nossa sociedade.
Referências bibliográficas
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Prado, M.E.B.B & Valente, J.A. A Educação a Distância possibilitando a formação do professor com base no ciclo da prática pedagógica. Em M.C. Moraes (org.) Educação a Distância: fundamentos e práticas. Campinas, SP: Nied-Unicamp, 2002, p. 27-50. Disponível no site www.nied.unicamp.br/oea.
Valente, J.A. A espiral da aprendizagem e as tecnologias da informação e comunicação: repensando conceitos. Em M.C. Joly (ed.) Tecnologia no Ensino: implicações para a aprendizagem. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2002a, p. 15-37.
Valente, J.A. Aprendizagem por projeto: o fazer X o compreender. Artigo não publicado da Coleção Série Informática na Educação – TV Escola, 2002b.
Valente, J.A. (1999a). Análise dos diferentes tipos de software usados na educação. Em J. A. Valente (org.) Computadores na Sociedade do Conhecimento. Campinas: Nied – Unicamp, 1999a - p. 89-110. Disponível no site: www.nied.unicamp.br/oea.
Valente, J.A. Diferentes abordagens de Educação a Distância. Artigo Coleção Série Informática na Educação – TV Escola, 1999b. Disponível no site: http://www.proinfo.mec.gov.br.
Valente, J.A. O Professor no Ambiente Logo: formação e atuação. Campinas: Gráfica da UNICAMP, 1996.
Valente, J.A. Por que o computador na educação? Em J.A. Valente, (org.) Computadores e Conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráfica da UNICAMP, 1993, p. 24-44.
Texto original em Salto para o Futuro
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