sábado, 4 de julho de 2009

A reinvenção da biblioteca

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

A PROFESSORA de português  Alda Beraldo nem se deu conta de que estava inventando um novo tipo de biblioteca: no lugar de estantes numa sala fechada, cestas amarradas num jegue estacionado debaixo de uma árvore. ''É uma sensação entre as crianças e seus pais."

Alda veio de Americana para morar em São Paulo atraída pela chance de cursar letras na USP e pela sedução da noite paulistana. "Sempre adorei a efervescência noturna." Formada, dedicou-se a ensinar poesia para estudantes e a fazê-los escrever versos. Uma tarefa árdua. Mas ela aprendeu a mostrar as palavras como peças de um jogo. ''A poesia é quase uma brincadeira de esconde-esconde, na qual se revelam sentimentos universais e profundos."

No ano passado, ela recebeu uma proposta para disseminar os encantos da literatura numa cidadezinha de 24 mil habitantes espalhados em comunidades rurais, bem longe do agito cultural paulistano. A maioria das 
casas é de taipa, cobertas com ramos de babaçu. Teria de passar alguns dias todos os meses em Alto Alegre do Pindaré, ao sul do Maranhão, onde quase não existem livros, treinando professores e diretores. "O índice de analfabetismo é altíssimo. Nem os estudantes, nem seus pais, nem seus professores têm o hábito de leitura. Fora dos livros didáticos, só a Bíblia".

Como é grande distância entre os povoados que formam Alto Alegre do Pindaré, Alda percebeu que teria que fazer uma biblioteca móvel Mas a prefeitura não dispunha de um carro para esse tarefa. ''Mas sobravam jegues." Capacitou estudantes mais velhos para conduzir o jegue e contar as histórias debaixo da árvore - a "bibliojegue': como foi apelida, começou a se locomover no mês passado. "Quando o jegue carregado de livros vai chegando, as crianças, animadas, parecem que estão atrás do circo."

Ela precisou ir muito longe de São Paulo,para que pudesse, embaixo da árvore, ao lado de um jegue, reaprender o encantos das letras. "Vi mulheres analfabetas que choraram ouvindo pela primeira vez uma poesia."
Fonte: E-Proinfo

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