sábado, 21 de fevereiro de 2009

Debate: Televisão e educação

Tema debatido na série Debate: Televisão e Educação, apresentado no programa Salto para o Futuro/TV Escola, de 23 a 17 de maio de 2003.

Rosa Maria Bueno Fischer

Que importância tem a TV em nosso cotidiano? Por que ela se torna objeto de preocupação de políticos, de empresários, de pensadores, artistas e especialmente, de pais e educadores?

Que poder teriam as imagens que diariamente nos chegam, as quais buscamos com tanto interesse e às vezes até paixão?

O fato é que a TV se transformou num eletrodoméstico do qual já não abrimos mão: ela é um objeto técnico, eletrônico, que habita a intimidade das residências, das salas de estar e jantar, das cozinhas e dos quartos de dormir, bem como refeitórios de escolas, salões de festa, bares e restaurantes, com suas imagens eletrônicas que se tornam para nós quase uma necessidade básica. Mas a TV é sobretudo um meio de comunicação, isto é, participa de um complexo aparato cultural e econômico de produção e veiculação de imagens e sons, informação, publicidade e divertimento. Num caso como no outro, o certo é que a televisão é parte integrante e fundamental de complexos processos de veiculação e de produção de significações, de sentidos, os quais por sua vez estão relacionados a modos de ser, a modos de pensar, a modos de conhecer o mundo, de se relacionar com a vida.

A TV – poderíamos dizer – opera como uma espécie de processador daquilo que ocorre no tecido social, de tal forma que “tudo” deve passar por ela, “tudo” deve ser narrado, mostrado, significado por ela. “O que é invisível para as objetivas da TV não faz parte do espaço público brasileiro” – escreve Eugênio Bucci em seu livro Brasil em tempo de TV. Para o autor, o modelo de televisão que temos no Brasil permite que se produza através dos programas veiculados e do próprio hábito cotidiano de assistir a TV uma espécie de unificação do país no plano do imaginário. Assim, se a sociedade é outra porque existe a TV, falar da televisão brasileira é falar do Brasil, e discuti-la significa debater parte significativa de nossa realidade (Cf. Bucci, 1997, p. 11-38).

Ao mesmo tempo em que há essa função maior, ampla, da TV no mundo social, é preciso compreender também que, sem sombra de dúvidas, a TV se torna, cada vez mais, um lugar privilegiado de aprendizagens diversas; aprendemos com ela desde formas de olhar e tratar nosso próprio corpo, até modos de estabelecer e de compreender diferenças: diferenças de gênero (isto é, na TV aprendemos todos os dias como “são” ou “devem ser” homens e mulheres), diferenças políticas, econômicas, étnicas, sociais, geracionais (aprendemos modos de agir, modos de ser de crianças, de negros, de pobres ou ricos, e assim por diante).

As profundas alterações naquilo que hoje compreendemos como “público” ou “privado”, igualmente, têm um tipo de visibilidade especial no espaço da televisão e da mídia de um modo geral. Refiro-me aqui a modos de ser e estar no mundo, narrados através de sons e imagens, que acabam por ter uma participação significativa na vida das pessoas. São modos de vida que de alguma forma pautam, orientam, interpelam o cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros – ou seja, participam da produção de sua identidade individual e cultural e operam sobre a constituição de sua subjetividade.

A crescente valorização da vida privada seria um exemplo disso. Ela corresponde não só ao elogio do individualismo, como expõe a grande separação e até mesmo oposição entre a esfera privada, de um lado, e as esferas social e política, de outro. Considerando a ação dos meios de comunicação, nesse sentido, poderíamos apontar para uma série de problemas novos, produzidos justamente pela excessiva exposição do privado: parece que, para sermos “realidade”, precisamos ser vistos e ouvidos no espaço público da mídia (especialmente na TV). Que é feito de nossos sentimentos, num tempo em que eles “precisam” tão avidamente ser plenamente falados e expostos? Que encanto extraordinário tem a esfera pública midiática, a ponto de por ela nos desfazermos de nossa intimidade? Para a filósofa Hanna Arendt, essa ampliação da esfera privada não a transforma em pública; pelo contrário, significa que a esfera pública perdeu espaço e também que estar na companhia uns dos outros parece ter perdido força: ficamos cada vez mais “privados” de ver e ouvir profundamente os outros, já que estamos tão voltados para nós mesmos. E isso é aprendido todos os dias nas telas da TV.

Assim, para a educação, torna-se fundamental discutir e pensar sobre o quanto nós, professores, talvez saibamos muito pouco a respeito das profundas transformações que têm ocorrido nos modos de aprender das gerações mais jovens. Afinal, o que é para eles estar informado ou buscar informação? De que modo seu gosto estético está sendo formado? O que seus olhos buscam ver na TV, o que olham e o que dizem do que olham? Que sonoridades lhes são familiares, aprendidas nos espaços da mídia? O que lhes dá prazer nessas imagens midiáticas? Com que figuras ou situações alunos e alunas se identificam mais acentuadamente? Que modos de representar visualmente os objetos, os sentimentos, as relações entre as pessoas são cotidianamente aprendidos a partir da linguagem da televisão? De que modo vamos aprendendo a desejar este ou aquele objeto, através das imagens e sons da TV? Que novos modos de narrar, de contar histórias, aprendemos através da experiência diária com a TV?

Essas perguntas, como se vê, procuram não separar “forma” de “conteúdo”. Elas apontam para o fato de que a própria linguagem da TV, todos os recursos utilizados para a elaboração de um programa ou mesmo um comercial, e ainda, todas as estratégias de veiculação desses produtos, os modos como eles são dirigidos a este ou àquele público, também comunicam algo, participam da defesa de um ponto de vista, de uma idéia, e assim por diante.

Ao investigar as características da imagem eletrônica aprendemos que ao ver TV completamos as figuras da tela, pois se trata de uma imagem feita de milhares de pontos de luz; aprendemos que a TV é feita para espectadores dispersos, que a toda hora são chamados a prestar atenção em algo; aprendemos também que a pequena tela exige primeiros planos, detalhes, mas ao mesmo tempo é necessário que os cenários não contenham elementos em profusão, que sejam “limpos”, despojados, distintos da chamada “realidade”.

Esses são apenas alguns elementos da linguagem televisiva, das condições concretas de produção e veiculação das imagens eletrônicas, que podem tornar-se básicos para um trabalho educacional, com estudantes de todos os níveis. As imagens da TV, suas diferentes estratégias de linguagem (o som, a edição, o texto falado, o texto escrito, os cortes, a escolha dos cenários e dos atores e apresentadores) – tudo isso precisa ser pensado simultaneamente dos pontos de vista técnico e comunicacional, social, cultural, educativo. Ao estudar a TV e sua linguagem, a TV e suas estratégias de veiculação, podemos questionar as opções assumidas: Será que um programa infantil sempre deve ser apresentado por uma “fada loura”? Será que sempre precisamos “ensinar” coisas aos espectadores infantis? Por que nos programas de entrevista parece quase obrigatório que o convidado praticamente faça confissões, exponha sua intimidade sexual e amorosa? Por que as imagens da TV, como escreve Beatriz Sarlo (1997), são apresentadas em tanta quantidade, são tão excessivas e rápidas, e ao mesmo tempo informam tão pouco? Isso é “próprio” da TV?

Ou seja, quando nos propomos a estudar a TV, começamos a discutir sobre escolhas feitas na elaboração de um produto que nos chega, na intimidade de nossas casas, no cotidiano de nossas vidas. E essas escolhas inevitavelmente envolvem valores, posições políticas, éticas, estéticas. Envolvem também compreender, como escreve Milton Almeida, que “a transmissão eletrônica de informações em imagem-som propõe uma maneira diferente de inteligibilidade, sabedoria e conhecimento, como se devêssemos acordar algo adormecido em nosso cérebro para entendermos o mundo atual, não só pelo conhecimento fonético-silábico das nossas línguas, mas pelas imagens-sons também” (Almeida, 1994, p. 16).

Fonte: Salto para o Futuro

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